quinta-feira, 24 de outubro de 2013

lindo texto de Rubens Zaccharias Jr. sobre a performance

O caminho era quase longo... 
Pós-humano, pós- história? O fluir de inflexões sonoras, palavras inventadas, nomes de personagens, música, imagens de antigos recintos e esconderijos. A sensação do vento...  A semelhança do Butô, eu nasci aqui dança um corpo de dentro, suas paisagens projetadas como ecos de antigos e secretos movimentos, vivências desse corpo de dentro; sentimentos que perfazem um algo inominável. Eu nasci aqui, eu não nasci aqui...
Eixos que compõem uma narrativa que é a de um corpo que vive a sua memória, a exemplo de Ka, é sombra da alma e vai de sonho em sonho sem barreiras no tempo, o corpo assim,  torna- se a própria lembrança do gesto,  abrigo de outros tempos.
No interior desse abrigo (corpo) surgem visões de uma casa ainda existente. Olfato, tato, audição em uma dança viva, sem vestir personagens, o indizível presente... porque,  na verdade,  o corpo em si é a presença sem tempo, sem medida, sem lugar, uma ruptura, não sabe direito onde se colocar, como se comportar... tem  sua espessura no inclassificável agora. 
Gestos sem representação, ou melhor, gestos que apresentam o verdadeiro prazer desta vida: o voo de Ka e seu gênio de pássaro.  Assim, na performance de Samira Br os elementos rituais não pertencem aos mitos,  não reproduzem a ideia de infinito e de eternidade, pois, a  exemplo de Lucrécio, é nas sensações de passado, presente  e futuro que cremos no mito dos falsos infinitos  que ocorrem  como simulacros em nossa mente, frutos de nossas relações teológicas, sensuais  e morais com o mundo, as chamadas inquietações da alma: ou o infinito prazer - como pretendemos obter com nossos corpos - ou a infinita dor - como quer nossos medos, culpas e constrangimentos - tudo falso.
 Eu nasci aqui, não trata somente de um corpo performático, ou multimídiático,  mas sim de um corpo que é nosso corpo na vida, o corpo enquanto percepção, pensamento, linguagem. Sujeito e objeto ao mesmo tempo, onde tudo que se pensa, (e que se lembra),  é  pensado e lembrado enquanto corpo, pois aquele que pensa e não vive o canto dos pássaros e o contato com a terra, é aquele que não pensa enquanto corpo, é aquele que se pretende sempre fora do corpo, fala de um lugar onde não está e daquilo que não é,   Eu nasci aqui diz que é necessário nascer em nós a consciência de nossas próprias vidas.    
  
                                                                                                                Rubens Zaccharias Jr

                                   
Referências bibliográficas.
Deleuze, Gilles. Lógica do sentido. São Paulo . Perspectiva. 1988
Khlébnikov, Velimir. Ka. São Paulo. Perspectiva. 1977
Kuniichi, Uno. A gênese de um corpo desconhecido. São Paulo. N-1 Edições.  2013

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